Dados para citações: BERNARDO, Patrícia Pinna – Oficinas
de Criatividade: desvelando cosmogonias possíveis – in: Revista Científica
de Arteterapia Cores da Vida vol. 2 – artigo especial, p. 8 a 23. (in: www.brasilcentralarteterapia.cjb.net, acessado em 31/05/2006).
Artigo Especial:
OFICINAS DE CRIATIVIDADE:
DESVELANDO COSMOGONIAS POSSÍVEIS
Patrícia Pinna
Bernardo[1]
Resumo: Nesse texto abordo a
coordenação de Oficinas de Criatividade, refletindo sobre os pontos que
norteiam esse trabalho e traçando paralelos entre o processo de constituição
grupal e os processos de criação. Utilizando o referencial da Psicologia
Analítica de C. G. Jung, destaco as contribuições das diferentes modalidades
artísticas para o desenvolvimento global do ser humano, relacionando-as aos 4
elementos e com aspectos da vida psíquica a eles associados. Concluo mostrando
como a participação em Oficinas de Criatividade pode favorecer o resgate do
poder pessoal e de transformação frente às circunstâncias que permeiam a
existência.
DESCRITORES: terapia pela arte, Psicologia
Analítica, criatividade, saúde mental
Creativity
workshops: revealing possible cosmogonies
Abstract:
In this text I approach the coordination of Creativity’s Workshops, considering
the issues that relate to this work, and drawing parallels between the process
of constitution’s groups and the
creation processes. Using as reference the Analytical Psychology of C. G. Jung,
I highlight the contributions from the different artistic modalities for the
global development of the human being, relating them to four elements and with
aspects of the psychic life associated to them. I conclude showing how the
participation in Creativity’s Workshops can favor the rescue of personal power
and the transformation ahead of the circumstances that permeate the existence.
DESCRIPTORS: art
therapy, Analytical Psychology, creativity, mental health
Talleres de
creatividad: revelando las posibles cosmogonías
Resumen: En este texto
yo abordo la coordinación de Talleres de Creatividad, mientras pensando sobre
los puntos que orientan ese trabajo y dibujando paralelo entre el proceso
grupal de la constitución y los procesos de creación. Usando el referencial de
la Sicología Analítica de C. G. Jung, destaco las contribuciones de las
modalidades artísticas diferentes para el desarrollo global del ser humano,
relacionándolos a los 4 elementos y con los aspectos de la vida psíquica a
ellos asociados. Concluyo exhibiendo como la participación en los Talleres de
Creatividad puede favorecer el rescate del poder personal y de la
transformación frente las circunstancias que entornan la existencia.
DESCRIPTORES:
terapia con arte, Sicología Analítica, creatividad, salud mental
Seguindo a matéria e
sondando-a quanto à ‘essência de ser’, o homem impregnou-a com a presença de
sua vida, com a carga de suas emoções e de seus conhecimentos. Dando forma à
argila, ele deu forma à fluidez fugidia de seu próprio existir, captou-o e
configurou-o. Estruturando a matéria, também dentro de si ele se estruturou.
Criando, ele se recriou (Ostrower, 1978, p. 51).
Tornou-se, então, extraordinariamente claro para mim o valor cósmico da
consciência: o que a natureza deixa imperfeito, é aperfeiçoado pela arte, diz o
dito alquímico. Eu, homem, num ato invisível de criação, levo o mundo ao seu
cumprimento, conferindo-lhe existência objetiva. Agora apreendia que o homem é
indispensável à perfeição da criação, sendo o segundo criador do mundo; é o
homem que dá ao mundo, pela primeira vez, a capacidade de ser objetivo – sem
poder ser ouvido, devorando silenciosamente, gerando, morrendo, abanando a
cabeça através de centenas de milhões de anos, o mundo se desenrolaria na noite
mais profunda do não ser (...). A consciência humana foi a primeira criadora da
existência objetiva e do significado: foi assim que o homem encontrou seu lugar
indispensável no grande processo de ser (Jung, in
Grinberg, 1997, p. 210).
O meu trabalho com Oficinas de Criatividade teve início quando, ao
me formar em Psicologia e em Licenciatura em Educação Artística, busquei formas
de integrar essas duas áreas em minha atuação profissional, e já realizava
oficinas utilizando recursos expressivos com um grupo de crianças de um
orfanato no estágio de um curso de especialização em Psicologia Clínica
Preventiva. Além de começar a utilizar recursos artísticos em psicoterapia (com
várias faixas etárias), e a coordenar um grupo com a proposta de utilização
desses recursos visando o desenvolvimento da criatividade (esse grupo era de
adultos, posteriormente realizei oficinas com crianças também), em consultório
próprio, criei e implementei numa creche a proposta de assessoria psicológica
que incluía a realização de oficinas expressivas com crianças de 3 a 6 anos,
orientação a pais, cuidadores e coordenação. Os atendimentos em oficinas tinham
o caráter preventivo, e as intervenções na instituição visavam propiciar, em
diferentes níveis, um espaço de constante revitalização através de um processo
integrador do novo e ao mesmo tempo auto-reflexivo. Os grupos, realizados
dentro da própria creche, criavam a possibilidade das crianças falarem e serem
ouvidas nesse espaço, além de favorecerem, através da utilização de recursos
expressivos, a elaboração de suas questões atuais e o desenvolvimento de
potenciais. Comecei então a investigar a relação creche x criança, percebendo
que havia uma certa rigidez de papéis e adoção de condutas estereotipadas
dentro do espaço institucional, e percebia que o exercício (o exercer) da
criatividade era uma necessidade inerente ao processo de desenvolvimento da
criança e ao funcionamento satisfatório da instituição como um todo, tendo em
vista os objetivos para o qual foi criada. Pude depois verificar essas mesmas
questões em outras instituições com as quais tive contato.
Desenvolvi,
mais tarde, um trabalho semelhante numa pré-escola, constatando que o ensino,
em suas estratégias, com freqüência não dá conta da multiplicidade e riqueza de
reivindicações trazidas pela criança. Tanto no caso da creche quanto no da
pré-escola, no entanto, a abertura para um trabalho de assessoria indicava um
nível de insatisfação favorável a um movimento de repensar a prática e buscar
novas formas de compreensão e atuação.
Trabalhei, depois disso, na criação do serviço de Psicologia de
duas Unidades Básicas de Saúde da Prefeitura do Município de São Paulo.
Atendendo crianças que chegavam as UBSs encaminhadas pela rede pública de
ensino, pude notar que eram consideradas pela escola como
casos
desviantes, "crianças-problema" que fugiam ao perfil da "criança
genérica" considerada como sendo sua clientela. De uma certa maneira
esperava-se que o psicólogo contivesse e amoldasse as discrepâncias,
dissolvesse as dissonâncias. Nesse momento essas crianças eram como que
expulsas, não só da sala de aula, mas também da escola. Nem sempre necessitavam
de uma psicoterapia, e na maioria das vezes poderiam ser integradas dentro do
processo educacional enquanto elemento de reflexão e reorganização, instigando
a busca de novas concepções e procedimentos. Refazer o caminho de volta à
escola, propondo uma nova ordem na qual o processo de ensino que exclui o
elemento de ruptura – e, portanto deflagrador de renovação - possa ser
problematizado e revisto, é uma das possibilidades e necessidades de atuação do
psicólogo nesse contexto. No entanto, para a instauração de uma nova dinâmica,
integradora do novo, é necessário haver uma abertura para o movimento de
transformação, o que inclui a destruição de certos referenciais consolidados e
o questionamento de pressupostos. Ao lado desse trabalho pode-se pensar em
outros tipos de atuação que proporcionem à criança condições de expressar e
elaborar suas experiências, tornando-se sujeito e apropriando-se o máximo
possível do processo de construção de sua subjetividade. E o trabalho em
Oficinas de Criatividade, realizadas no contexto institucional, pode promover
essa abertura ao novo e contribuir para a saúde coletiva, na medida em que
possibilita o diálogo fecundo entre o eu, o outro e o meio ambiente, mediado
pela utilização de recursos expressivos, favorecendo inclusive o resgate da
cidadania, de se sentir fazendo parte do todo e atuando nele.
Após trabalhar
em UBSs, a meu próprio pedido fui transferida para um serviço que estava sendo
implementado, o Centro de Convivência e Cooperativa (CECCO), equipamento da
área da saúde (estavam sendo abertos vários CECCOs, a maioria em parques de
área verde) cuja proposta abria uma brecha no espaço institucional, pretendendo
ser não institucionalizante e não assistencialista, promovendo a saúde através
de atividades que favorecessem a convivência entre os "diferentes"
(freqüentemente excluídos do processo social) e a população em geral, visando
modificar qualitativamente as relações segregadoras que acarretam o isolamento
e a alienação do doente mental, da criança de rua, do idoso, do deficiente...
Dessa forma, constituía-se num espaço fértil para possibilitar encontros, a
troca e o crescimento entre os participantes, instigando o questionamento de
valores pré-estabelecidos e aprofundando a noção de saúde x doença, entendendo
que o meio cultural, a forma de vida, a estigmatização e a dificuldade de
inserção no mercado de trabalho podem ser geradores de sofrimento psíquico.
Através de oficinas de atividades (recreativas, artísticas, esportivas, etc),
coordenadas por uma equipe técnica multiprofissional, freqüentadas tanto por
pessoas interessadas quanto por aquelas encaminhadas pelos serviços de saúde e
educação da região, objetivavam facilitar a integração e reinserção social, a
expressão da subjetividade e o exercício da cidadania das pessoas consideradas
"desviantes" pelas normas vigentes, além de resgatar o valor
terapêutico e preventivo dessas atividades. Em dois CECCOs (em Pirituba e na
Freguesia do Ó), coordenei e co-coordenei diversas oficinas (artes, desenho e
pintura, dramatização e expressão corporal,
culinária, canto e coral, brincar, entre outras) com pessoas de todas as
idades. A questão da Criatividade, com seu potencial transformador e
estruturador do crescimento psíquico, é o fio que ligava o trabalho com
diversos recursos artísticos e vivenciais nessas oficinas (Bernardo, 1994 e
1999).
Quando comecei a lecionar na Faculdade
de Psicologia da UNIP, em 1996, como supervisora de atendimentos clínicos,
passei a utilizar vivências expressivas na preparação dos alunos para o
atendimento, para trabalhar os conteúdos pedagógicos e promover assim uma
aprendizagem significativa, e a orientar a utilização desses recursos em
diversos contextos: Psicodiagnóstico e Psicoterapia Infantil, Psicoterapia de
Adultos, em Oficinas de Criatividade realizadas em Brinquedoteca, asilo, Casa
Transitória (local para onde são levadas provisoriamente as crianças que
sofreram abusos sexuais, violência ou abandono, enquanto aguardam a decisão da
justiça quanto ao seus destinos), na clínica-escola e com adolescentes de uma
Ong. Além disso, continuei a coordenar e/ou supervisionar a realização de
Oficinas de Criatividade em meu consultório, empresas, na Natureza (em workshops
fora do espaço urbano), no esporte, na educação, enfim, em diversos contextos e
com todas as idades. Fui, portanto, percebendo em meu percurso profissional o
alcance e as ricas possibilidades do trabalho com Oficinas de Criatividade, que
atuam na melhoria da qualidade de vida e crescimento de seus participantes.
Geralmente, as oficinas têm a duração
de 1h para crianças pequenas de até 3-4 anos, 1h30’ as 2 h para crianças
maiores, e 2 às 3h para adolescentes e adultos, e os encontros costumam ser
semanais.
O número de participantes varia conforme a idade da população atendida (quanto
menor a idade, menor o tamanho do grupo) e o número de coordenadores (1 ou 2),
ficando, em média, entre 6 a 10 pessoas. É importante que haja uma seqüência de
oficinas coerente com a proposta de intervenção/trabalho, e que os dias, hora e
datas de início e término sejam acordados e comunicados desde o início dos
atendimentos. Nos grupos podem ser desenvolvidas diversas atividades: colagem,
modelagem, desenho e pintura, dramatização, dança e expressão corporal,
contação de histórias, musicalização etc, realizadas a partir de uma proposta
cujos objetivos e justificativa devem estar bem claros para quem coordena as
oficinas.
Nos primeiros atendimentos costumo utilizar técnicas
que permitam aos participantes se apresentarem ao grupo - favorecendo a
formação de vínculos - e explorar as possibilidades expressivas de cada
material. Os trabalhos podem ser feitos individualmente ou envolver todo o
grupo numa única construção. No início de cada oficina é feito um aquecimento,
que vai desde uma conversa entre os integrantes até uma sensibilização
condizente com a proposta a ser realizada no dia, através de um relaxamento com
visualização, ou uma dança, um conto de fadas, uma dinâmica grupal etc.
Conhecer o grupo com que se trabalha - a história de
vida de cada participante e seu momento existencial – e estar atento ao que é
trazido através de colocações e produções é muito importante para que as
propostas sugeridas possam vir de encontro ao momento grupal e às necessidades
de desenvolvimento dos participantes. Por isso, os pais, cuidadores e
coordenadores das instituições em que as oficinas são realizadas devem ser
envolvidos nesse trabalho, para que possam trazer a história de vida de
crianças e adolescentes que integram os grupos, e serem orientados com relação
às necessidades de desenvolvimento dessas crianças/ jovens, sendo feitas
devolutivas parciais e final ao longo do processo. Com os adultos, essa
história também precisa ser trazida, o que pode acontecer por meio de alguma
atividade expressiva. Eu costumo proporcionar isso através de uma vivência em
que, num retalho de juta (pode ser outro pano também) cada participante (ou
cada mãe/ pai dos participantes) representa a sua linha da vida usando para
tanto fios, pintura, colagem de diversos materiais (conchas, folhas secas,
areia e pedras colorida etc). Peço a eles que representem o seu percurso pela
vida, com seus altos e baixos, suas encruzilhadas, seus nós etc, mostrando que desenho
isso formaria olhando-se agora para a própria vida com seu passado, momento
atual e o que cada um espera e sonha para o seu futuro.
Ao final de cada encontro é interessante e imprescindível
que possa ser feito algum tipo de fechamento sobre o trabalho realizado (se em
algum encontro isso não tiver sido possível, é bom que seja feito no encontro
seguinte). Considero desejável que todos possam olhar os trabalhos de todos, e
que cada participante possa falar sobre sua produção, apontar aspectos que chamaram
sua atenção ou o mobilizaram de alguma forma durante a atividade, e ouvir as
colocações dos outros sobre o seu trabalho. O fechamento pode ser feito de
outras formas também, criando-se uma história ou uma poesia a partir dos
trabalhos realizados, dizendo-se uma palavra ou frase que expresse o sentimento
despertado pela atividade etc.
Pode-se dar forma ao
material simbólico utilizando-se as mais diversas técnicas expressivas:
visualizando imagens, escutando palavras interiores ou a própria voz, escrevendo
(escrita automática dos surrealistas (...) ou expressando-se plasticamente,
mediante desenho, argila, movimento, dança. O material que emerge pela
formulação criativa costuma ser acompanhado por imagens, cores e percepções
ligadas a todos os sentidos, além de fantasias, memórias e emoções. Não há
limites nem garantias. As imagens visuais e as vozes internas movem-se
repentinamente de uma coisa à outra. Muitas vezes o material provém não do
nível pessoal, mas do arquétipo – o inconsciente coletivo. Com a utilização
dessas técnicas, a fantasia inconsciente é mobilizada e se expressa. Ganha vida
e forma estética. Podemos relacioná-la a fatos passados, liberar emoções. A
partir daí, cabe ao ego confrontar a emoção e a imagem associada,
relacionando-as a seu momento existencial e a seu processo psicológico (Grinberg, 1997,
p.195).
O primeiro passo no trabalho com as oficinas, como as
concebo e realizo, consiste na criação de um espaço continente e propiciador da
emergência e elaboração de questões significativas para o grupo, algo análogo à
construção de um vaso alquímico, como uma panela onde serão depositados os
ingredientes trazidos pelo grupo, que nela serão cozidos e assim transformados
em alimento para o crescimento dos participantes.
O processo de
constituição do grupo assemelha-se à construção de um vaso alquímico. Nele
serão depositadas as expectativas, vivências e potencialidades de cada
integrante. Mexemos e remexemos nessa grande panela, cuidando para que o fogo
não se apague mas também não seja forte demais, respeitando o tempo e as
singularidades de cada criança. Cada uma delas é como um João trazendo consigo
suas sementes mágicas de feijão, só que aqui elas não são atiradas pela janela (Bernardo, 1999,
p.221).
Há uma vivência que
criei para ressaltar as contribuições que cada um, por ser único e singular,
com sua história de vida e seu estilo de ser, traz para o grupo, facilitando a
construção de vínculos entre os participantes, mostrando ainda como a
diversidade é a base da criatividade e nos enriquece como seres humanos. Essa
vivência também ajuda os participantes a compreenderem o sentido das oficinas
enquanto espaço de relacionamento, troca e crescimento. A chamo de “vivência do
bolo”, pois peço a cada participante que desenhe e pinte - ou recorte - um
ingrediente para o nosso bolo grupal. Assim, cada um vai expressar algum
aspecto seu, de sua característica pessoal, através do ingrediente representado
e apresentado ao grupo. Trago uma caixa com um fundo falso, sendo que dentro
dele encontram-se pedaços de bolo embrulhados, mas os participantes não sabem
disso. As pessoas colam sobre a caixa as suas figuras, ou também podem, ao
invés disso, colocá-las dentro da caixa. A caixa passa por todos, e cada um a
mexe, como que misturando os ingredientes que ela agora contém, e a colocamos
em seguida no centro do grupo (todos sentados formando um círculo, forma que
gosto sempre de dispor o grupo). Imaginamos que a caixa foi colocada no forno,
e enviamos calor, em forma de amor, para ela (isso pode ser simbolizado de
várias formas, dependendo da idade dos integrantes). Peço então que todos
fechem os olhos, e levo a caixa até cada participante, que coloca a mão dentro
dela, retira um pedaço de bolo e o come.
É impressionante a
emoção com que os integrantes, de qualquer idade (já fiz e/ou supervisionei
essa vivência com crianças, adolescentes, adultos e idosos), retiram e comem os
seus pedaços de bolo. Ela desperta sentimentos de respeito às diferenças, de
auto-valorização e valorização do outro. Pode-se fazer várias correlações
interessantes a partir dessa vivência, pois ela deixa claro que todos são
importantes e trazem para o grupo algo de si, alguma preciosidade, da mesma
forma que para se fazer um bolo é tão importante a farinha quanto a pitada de
sal, os ovos quanto as gotas de alguma essência aromática, ter quem agite e
misture os ingredientes quanto contar com o olhar atencioso de quem percebe que
é hora de tirá-lo do fogo. E num grupo, a convivência entre as diferenças
individuais, bem como a possibilidade de vivência das ressonâncias, permite que
cada um leve da experiência de participar das oficinas o que aprendeu com o
contato com diferentes materiais e técnicas e com a troca com o outro: um
pedaço do bolo todo.
Não há um só homem nem
uma só ação que não tenha a sua importância; em todos e através de tudo, se
desenvolve mais ou menos a idéia da humanidade (Schopenhauer apud Grinberg, 1997, p.205).
Assim, a pessoa mais
tímida aprende o caminho de se colocar com mais segurança com a mais falante, a
pessoa muito agitada aprende a aquietar-se para poder saborear cada experiência
com a mais cuidadosa e atenta, e assim por diante. Podemos fazer uma analogia
entre o que Jung (1981) falou sobre a relação entre o terapeuta e o paciente e
o que vai acontecendo com os participantes do grupo (desde que o coordenador
esteja facilitando e promovendo essa troca entre as diferenças) - a relação
terapêutica é como a mistura de duas substâncias químicas: quando ocorre a
transformação, ambas se transformam.
Outra atividade que
criei para facilitar e trabalhar a constituição do grupo, as diferenças e a
apresentação dos participantes, que também pode ser associada às questões
levantadas acima, é uma vivência em que se constrói um jardim a partir de uma
caixa (de sapato ou maior), areia ou terra, pedras, gravetos e flores, tinta,
massa de modelar e/ ou argila. Gosto de introduzir essa atividade a partir de
um relaxamento em que cada participante entra em um jardim interno, onde estão
as flores, animais e coisas de que mais gosta, representando o que algumas
culturas indígenas chamam de nosso “espaço sagrado” (Sams, 1997), o espaço da
nossa interioridade (intimidade). Então peço aos participantes que construam o
seu jardim (o que pode ser feito individual ou grupalmente), no qual cada um
deve estar representado de alguma forma: como uma flor, um animal etc.
O processo de
constituição e desenvolvimento grupal pode ser visto, já em si mesmo, como um
processo de criação, que envolve o simbolismo da passagem do Caos ao Cosmo (da
mesma forma que na elaboração de um trabalho expressivo), num movimento que vai
da emergência de potenciais à sua concretização e integração na personalidade,
transformados em capacidades, em recursos disponibilizados para a vida. Os
alquimistas consideravam que, para que qualquer mudança fosse possível, era
necessário retornar ao estado de matéria-prima (relacionado ao caos). O caos é
o reino das possibilidades não atualizadas, é a pura potencialidade,
mergulhamos nele e o vivenciamos no início de qualquer processo em nossas
vidas. A abertura ao novo nos coloca em contato com esse grande vazio, que é ao
mesmo tempo como um caldeirão repleto de energia criativa ainda não canalizada
para a formalização. O recipiente hermético é o próprio indivíduo. Nele, os
muitos pedaços de material psíquico espalhados por todo o seu mundo devem ser
recolhidos e fundidos numa só coisa, do que resulta uma nova criação
(Harding apud Fincher, 1994, p.106).
O desenvolvimento grupal
se assemelha à configuração de uma mandala: o vaso grupal (representado, nas
vivências relatadas, pela caixa de sapato) corresponderia ao desenho de um
círculo, à delimitação de uma área de abrangência, à criação de um espaço
protegido e propício à vivência de um processo de transformação desencadeado
pela vivência de processos de criação. Cada participante traz para esse “vaso”
- para esse espaço, que passa a ser o “espaço sagrado” do grupo - suas
expectativas, necessidades atuais, potencialidades (suas “sementes”): pontua-se
um centro nesse círculo[2].
Pontuar a origem
equivale a instaurar um princípio ordenador. Fixa-se um centro ao redor do qual
se organiza uma configuração, como no esquema abaixo:
1 -Olhe para o círculo e coloque um ponto em seu
centro.
2 - Olhe fixamente para o ponto até que surja
uma imagem.
3 - Pinte a imagem visualizada dentro do
círculo.
(Sugiro
que o leitor faça essa atividade no círculo abaixo).
A confecção de mandalas
é uma atividade que realizo (e que oriento os meus supervisionandos a utilizar)
nos grupos que coordeno, sendo especialmente indicada para a abertura e o
fechamento de processos, mas podendo ser proposta em outros momentos também.
Pode ser feita de várias formas: a partir de um conto, de um tema, de um
relaxamento, ou espontaneamente. As mandalas podem ser pintadas com giz de cera
ou tinta, ser confeccionadas a partir de colagens de figuras, papéis coloridos,
sementes, ou técnica mista. Meus alunos já a realizaram com crianças de 2 a 4
anos (no seu estágio supervisionado na Casa Transitória), pedindo-lhes que
amassassem papel crepon de várias cores, formando bolinhas, e depois as colando
dentro de um círculo desenhado num papel, como se fossem flores num jardim ou
vaso, após terem dramatizado um passeio num jardim, no qual se posicionaram
como uma semente germinando e se transformando em árvore.
Crianças maiores,
adolescentes, adultos e idosos podem, por exemplo, confeccionar uma mandala
colando sementes de vários tipos e cores num círculo, formando com elas
imagens, após ouvirem uma história (uma possibilidade de sensibilização para
essa vivência é contar ao grupo o conto chinês “O Pote Vazio”[3],
que fala de um imperador que, no processo de escolha de seu sucessor, deu às
crianças do reino sementes para serem plantadas num vaso). Num grupo de
adultos, essa colagem pode também ser feita depois de entrarem em contato com a
parte do mito de Eros e Psique[4]
em que Afrodite pede a Psique que separe sementes de várias espécies, por
exemplo.
Segundo Fincher (1994),
Jung incentivava seus pacientes a criarem mandalas. Ele mesmo as produzia
diariamente[5]. Fincher (1994) conta que
Joan Kellogg as utilizava como recurso arteterapêutico, e diz que a mandala
pode ser empregada como um caminho válido por si só, como um veículo para a
autodescoberta. Ao segurar o fio de Ariadne, o indivíduo se lança numa jornada
em direção ao Self, sem garantia de chegada, apenas com a esperança de eterna
transformação (Kellogg apud Fincher, 1994, p.39).
Na confecção de uma mandala há diversas
gradações entre o círculo vazio e a imagem obtida. O círculo inicialmente
delimita uma superfície, uma área de abrangência, demarcando um microcosmo
análogo ao macrocosmo. Como forma, representa um princípio estruturador de
nosso mundo interno. Com a fixação de um centro, transportamo-nos para a
dimensão representada pelo círculo. Condensamos num único ponto todas as nossas
experiências, expectativas e necessidades. Com a focalização, mergulhamos numa
espécie de caos (onde fervilham as possibilidades, as
nossas sementes criativas) e estabelecemos um ponto de partida,
uma origem para a criação de uma imagem. O grau de estruturação e complexidade
da imagem formada a partir daí relaciona-se com um movimento de diferenciação.
Pode-se, por exemplo, pintar todo o círculo com uma única cor, atribuindo uma
certa "qualidade" (conteúdo) à área contida em seu interior
(simplesmente diferenciando o "dentro/ fora"), ou então chegar a criar
uma complexa rede de forças (usando linhas, cores, formas e volume para isso).
No início do processo
grupal, vivencia-se um estado de abertura e auto-exposição ao desconhecido. Da
mesma forma, diante do material a ser transformado através do processo criativo
(uma folha em branco, um círculo, um monte de argila...) ainda não surgiu nada
em que se apoiar: pode-se apenas pressentir a presença de mundos possíveis,
passíveis de ser "fecundados", "acordados", o que
corresponde de certa forma a um movimento de introversão da nossa energia
psíquica. Surge então uma motivação, uma "inspiração", deflagrando um
processo análogo a uma gestação. Nesse momento, o "dentro" e o
"fora" - os processos internos e o trabalho com os materiais
expressivos - relacionam-se de uma maneira mutuamente enriquecedora, e a
inspiração coordena-se com a transpiração: forma e conteúdo, o real e o
imaginário entrelaçam-se num movimento formador e transformador (Bernardo,
1999, p.226).
O caminho que
percorremos durante o processo de criação de um trabalho expressivo leva à
criação de um mundo que contém mundos. O que estava latente torna-se manifesto
e contextualizado. O claro (consciente) e o escuro (inconsciente), o cheio (a
potência) e o vazio (a carência), as definições e as sugestões, as presenças e
as ausências participam da construção de uma totalidade que favorece a
equilibração psíquica, aproximando esses pólos e abrigando em si novos pontos
de partida.
Sempre buscando
ultrapassar o dualismo mente-matéria, desde o início de seu trabalho Jung se
baseou fundamentalmente nas polaridades consciente-inconsciente e
natureza-espírito, concebendo a psique como um sistema constituído de pares de
opostos que podem intercambiar-se, um pólo é capaz de transformar-se no outro e
vice-versa. Assim, enfocando a consciência e o inconsciente com o mesmo valor,
Jung visualizou a importância de uma troca entre os dois sistemas. Segundo ele,
a pedra fundamental para a construção da realidade objetiva seria essa
capacidade de diálogo interior (Grinberg, 1987, p.192).
Para exemplificar como
exerço e penso a coordenação das oficinas criativas, contarei algo a respeito
do meu próprio processo criativo na pintura. Em geral, não tenho uma idéia
pronta a respeito de como vou desenvolver uma proposta, mesmo que ela consista
num desenho de observação. Sinto que existem infinitas possibilidades de
abordagem de um determinado tema, e até posso ter hipóteses de como
trabalhá-lo, mas não sei a priori que rumos o trabalho irá tomar, qual a
abordagem mais significativa nesse momento. Então começo a rabiscar no papel,
traçando direções ou colocando determinadas cores que sinto vontade de usar.
Trata-se de uma espécie de atenção flutuante dada ao que está sendo feito: se
polarizo o processo em meu desejo consciente de execução, o resultado é um
trabalho rígido, fechado, desinteressante. É como repetir o que já sei, algo
como maquiar cadáveres. Se, por outro lado, me furto à vivência da angústia
(diante do novo) de ter o que dizer, mas não saber como fazer, deixando o
processo apenas a cargo do aleatório, não opondo nenhuma resistência a qualquer
coisa que se queira fazer presente, pode surgir daí algo como uma massa
confusa, como numa reprodução do caos, como um labirinto que leva a vários
lugares, mas não chega a concretizar e delimitar lugar algum em que se possa
realmente habitar nesse momento.
Aos poucos, algo vai
tomando forma a partir dos riscos e das cores, surgindo daí o pressentimento e
a épura de uma configuração, algo que canaliza a minha energia produtiva, que
desperta o meu interesse em particular.
Procuro então como que ir atrás disso, e o fazer se parece com um
desfazer, o cobrir com um desvelar: ao pintar com determinadas cores (ao
elegê-las), ao colocar traços, desenhar algo (cobrir superfícies, traçar
contornos, criar volumes), estou ao mesmo tempo definindo e ressaltando figuras
de um fundo, focalizando alguns aspectos e desfocando outros (algo como
re-velar e ao mesmo tempo des-cobrir).
Chega um momento em que
sinto que algo nasceu, tomou forma, ganhou corpo, está pronto, o que traz o
sentimento de: "é isso!", "está bom", "não tenho mais
o que tirar nem pôr", "está completo". Mas, se deixo passar esse momento e continuo
trabalhando alguma área, retocando melhor algum ponto etc, então muitas vezes o
trabalho se esgota, chega ao seu limite de saturação, perde o ponto: o papel
fura, as cores não mais se misturam, o trabalho começa a parecer
"sujo", ou torna-se de novo matéria prima - se o papel e eu ainda
agüentarmos, dou novamente um mergulho no caos e volto à tona com outra configuração
(criação de um cosmos). Cada ponto desse processo tem suas exigências e
necessidades, seu ponto de partida e de chegada, momentos de dor e de prazer.
Estar atento a isso é o que chamo de atenção flutuante, e o que surge daí é uma
criação conjunta entre o eu e o material (o abstrato e o concreto) e também
entre a consciência e o inconsciente (Jung, 1984).
Da mesma forma como
trabalho numa pintura, trabalho na coordenação dos grupos: busco estar atenta
para os pontos em que existe vida pulsando (para onde caminha a energia e o
interesse do grupo) e favorecer a canalização dessa energia em direção a um
crescimento individual e grupal - na construção de algo que faça sentido no
processo de desenvolvimento dos participantes, algo que possa traduzir-se em
ampliação de consciência de si e do mundo, no desenvolvimento e apropriação dos
próprios recursos[6], na descoberta de que se é
também um elemento ativo na construção do real, enfim, na constituição de uma
linguagem própria.
Existem momentos no
trabalho de criação a partir de recursos artísticos que são basicamente
individuais, consistindo num relacionamento íntimo e amoroso com o material e o
trabalho que está sendo realizado. Em outros, no entanto, em que a energia
criativa se defronta com barreiras e é interrompida em seu fluxo, é
imprescindível o diálogo com o outro, o que pode muitas vezes ter a força de
romper um obstáculo (quando, por exemplo, o outro revela nosso ponto cego ou
nos mostra que existem outros leitos pelos quais essa energia pode fluir). De
qualquer forma, esses dois momentos interligam-se e são inseparáveis no
processo grupal: o eu e o outro fazem parte de uma única construção. No início,
há como que uma mistura: cada um ainda não teve a chance de mostrar ou
descobrir "a que veio". É como colocar a própria bagagem no caldeirão
grupal. A partir daí, ocorre um processo de diferenciação, de singularização,
de autodescobertas, pois tanto as produções realizadas nas oficinas quanto os
outros participantes são espelhos onde pode-se enxergar outros aspectos de si
próprio. Mas é necessário que a energia circule, que não se cristalize
demasiadamente em incorporações fixas de papéis (o "bode expiatório",
o "certinho", o "rebelde" etc). É importante que, através
do contato com o outro, cada um possa ir reconhecendo e integrando seus outros
lados, aspectos de sua psique ainda não conscientizados e integrados, ampliando
com isso suas possibilidades de auto-expressão (de ser-no-mundo). No final do
processo, cada um retoma o que lhe é próprio, mas transformado: cada
participante retira da "panela" o alimento de que necessita, cada um
leva para casa as suas produções, podendo interagir com o ambiente e consigo
próprio a partir de um novo ponto de vista:
(...) ao final desse
processo é como se cada integrante retirasse da panela, em forma de alimento,
transformado e acrescido de novos ingredientes advindos da troca com os outros
participantes, o que trouxe para o grupo em estado germinal, potencial ou
terminal (pois, de qualquer forma, morre a semente para que a planta possa
revelar-se: às vezes morre a criança birrenta para renascer na que sabe o que
quer, morre a criança “mal amada”, que renasce na que consegue sentir amor
próprio e sentir-se valorizada, morre o “patinho feio”, que renasce em cisne) (Bernardo,
1999, p.222).
Fazer arte pode ser uma
atividade terapêutica, mas não o é necessariamente, assim como o produto criado
a partir de recursos artísticos não é necessariamente uma obra de arte, embora
trabalhe e aguce a sensibilidade estética. As técnicas expressivas, utilizadas
em Oficinas de Criatividade, podem favorecer o crescimento psíquico e a
elaboração de questões a ele pertinentes, desde que a escolha das técnicas e
das propostas de trabalho - que envolvem para tanto conhecimentos e vivência com
relação aos recursos artísticos e seu potencial terapêutico –
estejam em consonância com o momento grupal e
com as questões relevantes ao processo de crescimento dos participantes, o que
demanda do(s) coordenador(es) conhecimentos acerca do desenvolvimento psíquico
e do aspecto terapêutico do fazer artístico.
De acordo com o
referencial da psicologia analítica de C. G. Jung, o ser humano é dotado de um
potencial para o desenvolvimento de uma constituição psíquica que intermedia e
possibilita sua relação com o outro e com sua interioridade. Para isso
concorrem fatores intrapsíquicos e ambientais. É essencial haver uma situação
de contenção e receptividade (o estabelecimento de uma ligação satisfatória
mãe-bebê) para que o nascimento da consciência seja deflagrado como um impulso
criador, um movimento de trazer à luz, tornar visível, contextualizar,
diferenciar. O inconsciente, fonte de energia psíquica, encontra na consciência
a possibilidade de atualização de seus conteúdos (de suas possibilidades de vir-a-ser).
Neumann (1990) descreve
o desenvolvimento psíquico como um processo análogo à Cosmogonia (havendo a
criação da consciência a partir do caos inconsciente), o qual envolve várias
etapas e desenrola-se por toda a vida. Denominou de urobórico[7]
o estágio inicial em que ainda não há diferenciação entre dentro-fora,
psique-mundo, mente-corpo, mãe-bebê. Refere-se a um estado de "participation mystique", de
existência numa "realidade unitária" em que os opostos estão
indissoluvelmente unidos. Nessa fase, a
consciência é apenas uma possibilidade contida no inconsciente. Edinger (1989)
chamou de "inflação" a este estado de completa identificação entre
ego (centro da consciência, constituindo-se num complexo energético) e Self
(psique total, abrangendo consciente e inconsciente, e sendo ao mesmo tempo o
centro - regulador e organizador, como um maestro - da psique), e ressaltou que
essa vivência não é apenas relativa aos primeiros anos de vida da criança, mas
também acontece sempre que a consciência entra em contato com algum novo
conteúdo inconsciente. O processo de elaboração simbólica que se desenrola a
partir daí vai permitir que a consciência integre em si aspectos novos, se
ampliando e singularizando. Sendo assim, o desenvolvimento da consciência segue
um percurso ao mesmo tempo ascendente (separando-se e diferenciando-se do
inconsciente) e circular (voltando a entrar em contato com o inconsciente, de
onde emergem novos símbolos), assumindo a forma de uma espiral.
De acordo com a visão da
Psicologia Analítica de C. G. Jung, o relacionamento entre os opostos está na
base de nossa constituição psíquica. Assim, vamos aos poucos diferenciando a
consciência do inconsciente, o dia da noite, o masculino do feminino. A nossa
consciência separa os opostos para poder conhecê-los, voltando então a
reuni-los numa nova totalidade, e nesse processo ela se expande e amplia (Bernardo, 2004,
p.124).
A vivência urobórica
refere-se a um mergulho nesse caos inconsciente (continente dos devires), de
onde o ego pode retornar renovado (assim como nos processos de criação
artística). É interessante notar que o círculo - um dos símbolos da totalidade
psíquica - aparece no desenvolvimento do desenho infantil como a primeira forma
ordenada. A evolução do desenho da figura humana corresponde à irradiação e
diferenciação progressivas a partir desse círculo original, da mesma forma que
todas as células que formam o nosso corpo, com toda a sua multiplicidade,
originaram-se de uma única célula-mãe.
Em várias culturas
encontramos a divisão do círculo em 4 quadrantes como forma de organização do
caos primordial. Assim temos os 4 pontos cardeais, as 4 estações do ano, as 4
fases da vida: infância, adolescência, maturidade e velhice, os 4 elementos
etc, como os 4 braços dessa cruz. Edinger (1990) nos conta que os filósofos
pré-socráticos consideravam que o mundo é gerado de uma matéria única
original, a chamada primeira matéria (p.29), e que ela passara por um
processo de diferenciação por meio do qual fora decomposta nos 4 elementos:
terra, ar, fogo e água (p.30), acrescentando que esses elementos se
combinaram em diferentes proporções formando toda a multiplicidade, tudo o que
existe no mundo:
Impôs-se à prima
materia, por assim dizer, uma estrutura quádrupla, uma cruz, que representa os
quatro elementos, dois grupos de contrários: terra e ar, fogo e água.
Psicologicamente, esta imagem corresponde à criação de ego a partir do
inconsciente indiferenciado mediante o processo de discriminação das quatro
funções: pensamento, sentimento, sensação e intuição (p. 30).
Edinger faz várias
comparações e aproximações entre as operações alquímicas associadas aos 4
elementos e nossas vivências internas, são elas: calcinatinatio, relativa ao fogo; coagulatio, relativa à terra; sublimatio,
relativa ao ar; solutio, relativa à
água. Ele destaca ainda outras operações relacionadas ao crescimento psíquico: mortificatio, relativa à morte da
semente para que ela possa germinar, ou ao sacrifício do monstro do caos para
que a criação possa acontecer, ou seja, à morte que precede o renascimento; separatio, relativa à separação e
diferenciação dos opostos, para que possam ser conscientizados; coniunctio, relativa à união dos opostos
anteriormente separados e purificados, à sua síntese, obtendo-se a “Pedra
Filosofal”, o “ouro”, aparecendo também como a imagem do casamento do Rei e da
Rainha, Sol com a Lua, donde decorre o poder de multiplicatio, como o milagre dos pães e dos peixes relatado na
Bíblia, e diz que: cada uma dessas operações é o centro de um elaborado sistema
de símbolos. Esses símbolos centrais da transformação compõem o principal
conteúdo de todos os produtos culturais. Eles fornecem as categorias básicas
para a compreensão da vida da psique, ilustrando praticamente toda a gama de
experiências que constituem a individuação (1990, p.34).
Na busca por compreender
as contribuições das diferentes modalidades artísticas para o desenvolvimento
do ser humano, relacionei-as ao simbolismo dos 4 elementos e das operações alquímicas (a partir do estudo
antropológico das religiões comparadas[8],
da alquimia simbólica e de diversas culturas indígenas, associado aos conceitos
da Psicologia Junguiana), visando a sua utilização criteriosa através das
vivências propostas nas Oficinas de Criatividade e nos atendimentos em arte-psicoterapia.
Assim, percebi que podemos relacionar a modelagem e a escultura, por exemplo,
ao elemento terra e à função sensação; a pintura e trabalhos que envolvam cores
ao elemento água e à função sentimento; as histórias, contos e o trabalho com fios
ao elemento ar e à função pensamento; utilizando-se velas e técnicas que
envolvam o elemento fogo, ativamos a intuição - a capacidade de iluminar o que
é potencialidade, mas ainda não se concretizou em realidade manifesta.
(Bernardo, 2001; 2004).
O motivo da divisão em
quatro elementos corresponde, em termos psicológicos à aplicação das quatro
funções a uma dada experiência. A sensação nos diz quais são os fatos. O
pensamento determina os conceitos gerais em que os fatos podem ser situados. O
sentimento nos diz se gostamos ou não dos fatos. A intuição sugere a possível
origem dos fatos, aquilo para que podem levar e os vínculos que podem Ter com
outros fatos; ela representa possibilidades, e não certezas (Edinger, 1990, p.205).
Considero extremamente rico
e produtivo que os participantes das Oficinas de Criatividade que coordeno e/ou
supervisiono possam vivenciar e desenvolver propostas que lhes permitam
trabalhar com todos esses elementos e atributos, desenvolvendo aspectos
relativos às 4 funções da consciência. Essas vivências podem ainda ser
indicadas, ou novas podem ser criadas, a partir da compreensão das necessidades
dos membros do grupo.
Em termos alquímicos, o
ouro, como o rei dos metais, é uma mistura dos quatro elementos em proporções
perfeitas. Transposto aos seres humanos, isso equivaleria à saúde perfeita. Num
certo plano, a tarefa do alquimista, portanto, era transformar metal vil em
ouro, ao passo que noutro, era encontrar o equilíbrio entre os humanos no corpo
físico. Num terceiro plano – o interior – essa tarefa consistia em encontrar e
unir os opostos (...) a fim de promover o equilíbrio psicológico e espiritual (Angwin, 1996, p.72).
Certa vez,
supervisionando o atendimento de uma criança na Clínica Psicológica da UNIP de
Alphaville, percebi que ela estava tendo muitas dificuldades em expressar seus
sentimentos com relação a suas questões atuais. Isso ficava evidenciado também
em como ela se expressava
plasticamente: seus
desenhos nunca eram pintados, quando muito eram contornados com cores. Orientei
a aluna que a atendia a fazer com ela trabalhos que envolvessem água e tinta,
já que o elemento água pode ser associado à função sentimento e,
portanto, à nossa vida emocional. A aluna começou por sugerir à paciente que
pintasse suas mãos, as carimbasse no papel, e em seguida as lavasse,
massageando-as. O mesmo depois foi feito com os pés. Para a sessão seguinte,
criei uma atividade em que a paciente pudesse associar cada cor a algum
sentimento, pensando em como tornar isso interessante e instigante para ela:
orientei que a aluna propusesse a ela a construção do “Baú da Bruxa”, uma caixa
confeccionada por ela onde guardaria seus “Potes Mágicos”, suas “poções”, que
seriam como que remédios para curar suas feridas emocionais, como a “poção da
alegria” para curar a tristeza, a “poção do amor” para curar o desafeto e a
solidão etc. A paciente então confeccionou seus potes, que eram potes de vidro
transparente (como os de maionese) dentro dos quais ela colocou água misturada
com guache, formando uma cor para cada pote, associando cada cor a algum
sentimento. Em seguida os potes foram decorados, utilizando para isso pintura e
colagens com massa de modelar, sementes, pedras colorias, conchas etc,
enfeitando dessa forma a sua tampa e parte do vidro, expressando na sua
decoração o que associava ao sentimento representado pela cor que estava dentro
do pote. Essa atividade deflagrou uma resposta muito rápida com relação aos
seus objetivos.
As produções seguintes
dessa paciente já eram pintadas, e ela então passou a colocar mais livremente,
de uma forma que até então ainda não tinha conseguido fazer, seus sentimentos
com relação a várias questões de sua vida (a discriminação que sentia sofrer
por ter um defeito físico em uma de suas mãos, a dificuldade em fazer amigos,
etc.). Depois disso, passei a orientar a confecção dos “Potes Mágicos” nas
Oficinas de Criatividade (com crianças, adolescentes, adultos e até com os
idosos), sendo esse um momento dos grupos em que questões até então não
expressadas geralmente vêm à tona.
Outra atividade que
utilizo com água, criada para favorecer esse trabalho com crianças bem
pequenas, como as que meus alunos atenderam na Casa Transitória (2-3 anos), mas
que pode ser utilizada com todas as idades, é pintar os pés, caminhar então num
grande papel como se fosse num caminho em meio à natureza, lavar e ter seus pés
massageados, e então pintar e/ ou colar folhas, flores secas e areia ou terra
representando a paisagem ao redor do caminho feito com os pés carimbados. Com
crianças muito pequenas pode-se ainda usar anilina comestível ou suco em pó
para formar diferentes cores na água, enchendo depois copos com essas águas
coloridas – as “poções” podem então ser bebidas e/ou oferecidas aos outros
participantes do grupo. Outra atividade envolvendo o elemento água muito
apreciada pelos grupos, e muito interessante por trabalhar com questões
associadas a dificuldades que encontramos ao longo de nosso caminho, é a
pintura em pedras.
Para trabalhar com o
elemento fogo, pode-se, por exemplo, confeccionar lanternas iluminadas
por velas[9].
Nessa atividade, pede-se à pessoa que faça uma pintura (utilizando giz de cera
ou tinta) numa cartolina, recorte os pedaços de seu desenho que gostaria que
ficassem iluminados pela vela, cole (pelo lado avesso do desenho) papel de seda
colorido nas partes recortadas, dobre a cartolina em 4 partes, formando os 4
lados da lanterna e forma-se também o fundo. Depois, pode-se confeccionar um
castiçal em argila (o que passa a ser uma segunda atividade, complementando
essa), onde coloca-se a vela que será depois acesa dentro da lanterna. Ao
acender a vela, todo o desenho feito se ilumina. É quase instintivo que as
pessoas, nesse momento, batam palmas ou façam pedidos ao fogo (como quando
fazemos aniversário e a vela é acesa no bolo), isso tem acontecido com
freqüência em grupos de diversas idades (inclusive entre os idosos). É
importante ressaltar que sempre é necessário, no caso de fazer essa atividade –
ou qualquer outra que envolva fogo - com crianças, orientá-las a nunca manusear
o fogo sem ser diante da presença de um adulto.
Eu comecei a trabalhar
com fogo (inicialmente fazendo fogueiras com folhas secas num pequeno caldeirão
de ferro) a partir do pedido de uma criança de 6 anos que eu atendia em
consultório, em psicoterapia individual.
Inicialmente ele me pediu para acendermos uma vela decorada que eu tinha em
minha sala. Ele passou a repetir essa atividade a cada início de sessão, e
depois sugeriu que fizéssemos uma fogueira com folhas secas e gravetos. Passou
então a criar músicas (tocando tambor e cantando, como se fôssemos indígenas ao
redor da fogueira) e histórias associadas à atividade de acendermos a nossa
pequena fogueira. Nesse processo, fui ensinando-lhe a mexer com o fogo
cuidadosamente, mostrando-lhe que esse elemento tem uma força grande, e que
essa força deve ser respeitada (pois ela pode ser muito destrutiva também) e
pode canalizada para iluminar nossas vidas e criar coisas boas e belas para
nós, da mesma forma que o fogo cozinha os alimentos para podermos nos nutrir
deles. Orientei-o, também, a nunca mexer com fogo sem a presença de um adulto a
seu lado. Sua mãe foi colocada a par das nossas atividades com fogo, para que
estivesse atenta em casa, caso o seu filho tentasse mexer com fogo sem ser em
sua presença. Mas isso não aconteceu; ao invés disso, sua mãe relatou que ele
pediu à ela, certa vez, que acendessem uma vela, explicando-lhe como devemos
respeitar o fogo, e sugeriu que fizessem um pedido. Observando suas questões
iniciais - violência doméstica, agressividade, carência afetiva, baixa
auto-estima - percebi o porquê dessa criança precisar trabalhar com fogo, e
quais as contribuições que esse trabalho traria (e trouxe efetivamente) ao seu
processo terapêutico.
Era fundamental para essa
criança ser cuidada com carinho pelos seus familiares (lado benéfico do fogo,
em seu aspecto de lareira que cria o calor e aconchego do lar, do “ninho”),
tendo os seus aspectos positivos ressaltados e espelhados de volta para ela
através do olhar do outro (assim como a lanterna feita ilumina para si a sua
beleza, os seus encantos, os seus potenciais, que assim podem ser trazidos à
sua consciência), ao invés de ser desvalorizada e agredida (aspecto belicoso e
violento associado ao fogo, denotando o seu aspecto destrutivo). Era
imprescindível também que essa criança aprendesse novas formas de se relacionar
com a sua própria energia agressiva, canalizando-a para atividades criativas
que lhe rendessem respostas afirmativas e positivas por parte do meio, pois quando
veio para a terapia (encaminhada pela escola) estava a ponto de ser expulsa da
escola onde estudava devido a seu comportamento agressivo e anti-social. As
atividades com fogo realizadas com essa criança, aliadas às orientações feitas
aos seus pais e à escola, ajudaram em muito na transformação de seus
comportamentos, bem como de sua auto-imagem, passando a fazer mais amizades e a
se adaptar melhor à escola.
O trabalho com o
elemento ar está associado às
histórias e suas tramas, decorrentes dos vínculos formados ou rompidos. O
trabalho com contação de histórias (mesmo que seja a pessoa contando sua
própria história, como na atividade já relatada em que a pessoa conta a sua
história a partir da criação de um panô) favorece que tomemos um distanciamento
de nossa realidade e suas circunstâncias, o que nos permite ter uma visão mais
ampla, ao final, de nós mesmos e nossa situação atual, atribuindo novos
significados à nossa história e nos colocando como co-autores de nossas tramas
existenciais. Ao nos colocarmos no lugar de personagens, seja dramatizando-os a
partir da confecção e utilização de máscaras ou outro método dramático (como
utilizando fantoches, por exemplo), seja assistindo a um vídeo, lendo ou
ouvindo um conto, ou mesmo criando uma história a partir de palavras, imagens
ou outros estímulos etc, nos descentralizamos para podermos nos enxergar como
um outro de nós mesmos, abrindo-se a oportunidade do diálogo interior e da
aproximação com os nossos sonhos.
O elemento terra,
por sua vez, é ativado e chamado à cena em trabalhos de consciência corporal,
modelagem em argila ou massa de modelar, escultura e confecção de caixas (como
uma atividade em que peço à pessoa que expresse o seu mundo numa caixa,
utilizando-se para isso de colagens de figuras de revistas, associada à pintura
ou à montagem de cenários dentro da caixa). O trabalho com esse elemento
favorece a estruturação de conteúdos que podem, então, ser presentificados,
ganhando um lugar dentro e fora de nós.
Ao final do
processo das oficinas, é preciso fazer-se um fechamento do trabalho,
favorecendo a síntese do percurso trilhado pelos participantes. Há algumas
vivências especialmente indicadas para possibilitar a integração na
personalidade das aquisições feitas durante as oficinas, como que coroando o
processo de transformação vivenciado pelos
participantes (da mesma
forma que no final dos rituais de iniciação ganha-se um novo nome). Uma delas é
a confecção de moldura para um auto-retrato. Em grupos compostos por crianças,
nessa etapa podemos contar um conto de fadas ou assistir a um vídeo (como por
exemplo: “A Espada era a Lei”, ou “A Bela Adormecida”), e nas oficinas
seguintes os participantes confeccionam cada qual a sua coroa, a sua espada ou
o seu espelho de mão, a sua capa, ou até a sua varinha mágica (como a do
Merlin). Então cada um veste-se como o rei/rainha de seu próprio reino e é
feito o anúncio de cada criança, que desfila aplaudida pelo grupo, e nesse
momento é tirada uma foto de cada um. Depois cada criança constrói uma moldura
para o seu auto-retrato. Em grupos de adolescentes, pode-se fazer o contorno do
corpo de cada participante, que para isso deita-se sobre papel, e depois
pinta-se dentro do corpo contornado, criando-se um personagem ou representando
a si mesmo. Com adultos, pode-se, por exemplo, fazer mandalas ou desenhos
expressando suas impressões sobre os trabalhos realizados ao longo das oficinas
e seu sentido para cada um. Depois disso, pode-se criar uma história coletiva a
partir dessas produções.
No último
encontro, todos levam para casa os seus trabalhos, após compartilhá-los com o
grupo, colocando-se todos em exposição para os comentários finais, quando cada
um se coloca com relação a como foi participar das oficinas. Nesse dia pode ser
feito algo para marcar esse momento, como, por exemplo, uma confraternização
com troca de presentes confeccionados pelos participantes com os materiais
expressivos disponíveis (sorteando-se para quem vai o presente, como no amigo
secreto). Nessa ocasião pode-se também fazer um “banquete”, no qual cada um
traz um prato de comida - e não é isso o que acontece nos grupos? Cada um traz
para o grupo um determinado tipo de alimento, a sua contribuição, e leva do
grupo um banquete, uma refeição completa, com doces e salgados, frutas e sementes...
Nos
processos de criação, o fio que liga a consciência ao inconsciente é afrouxado,
sendo passível de ser tocado. A vibração decorrente desse toque promove o
tremor do ser, presentificando cosmogonias possíveis. A criatura-consciência é
então tocada pelas mãos do Criador-inconsciente, colocando-se a seu serviço
como instrumento de singularização de suas forças arquetípicas, como
agricultora das sementes-símbolos que eclodem de seu caldeirão fervilhante.
Quando estive entre os
Guaranis, em 2003, um professor indígena guarani me contou que o nome dado às
crianças é anteriormente sonhado pelo pajé, cacique ou outro membro da aldeia,
pois já expressa a sua essência e missão nessa vida, os potenciais e atributos
que carrega em sua alma. Ele disse também que o batismo das crianças da aldeia
é feito em setembro, junto com o ritual de batismo das sementes.
Um nome é uma palavra-alma. Os nomes
passam a ser entoados pelos deuses das moradas das palmeiras azuis,
preparando-se para encarnar. A Mãe Terra mobiliza-se em seus quatro elementos:
terra, água, fogo e ar, para gestar as futuras sementes-luzes que irão povoar
como reino humano no mundo terreno. A natureza repete toda a melodia do
princípio do macrouniverso para iniciar a vida no microuniverso chamado Terra.
Assim, a vida multiplica-se e espalha-se (Jecupé, 2001, p.91).
Jecupé
(2001, p.77-78) nos conta que, segundo o mito de criação Guarani, a Mãe Terra
surge da base do cetro do Criador, vivificada pelas chamas e neblinas do
Grande Som Primeiro, e que o cetro forma o eixo da Terra, por onde flui
a forma de uma serpente sagrada, aparecendo depois também no trabalho da
criação como a coluna vertebral do ser humano. Ele diz que para os Guaranis, a expressão tornar-se
erguido significa reger o cetro da vida, criar a realidade como o
Criador gera Mundos, com a cons-ciência do poder. Sendo assim, erguer-se
é tornar-se consciente de seus valores mais profundos. No mito de criação
Guarani, segundo nos relata Jecupé, encontramos mais uma vez a idéia de um
centro ordenador da criação, a partir do qual desdobram-se quatro quadrantes: além
do eixo, são erguidas as quatro colunas de sustentação da Terra: o nascente, o
poente, o sul e o norte. Os antigos pajés chamam também veladamente de ‘as
quatro respirações da Grande Mãe’.
Jecupé
coloca que a palavra tupy significa
literalmente: tu = som e py = pé, assento (apy, apyka). Tupy quer dizer
som-de-pé, ou seja, o ser humano. Uma tonalidade da Grande Música
Divina colocada em pé,
encarnada, dentro de um acento chamado corpo-carne, para entoar a criação no
mundo terreno, para ser na Terra o que sua essência sagrada é no céu –
escultor, tecelão, cantor e transformador da vida (2001, p.79).
Olhando
para o trabalho realizado nas oficinas por esse prisma, faz sentido dizer que
as atividades artísticas podem promover a afinação entre corpo e alma para que,
consciente de sua flauta interna e de suas notas, cada um possa encontrar em si
(ou confeccionar) o seu vaso-vazio e abri-lo ao sopro do espírito, resgatando o
seu poder pessoal e exercendo o seu potencial criador, tornando-se dessa forma
um co-criador do seu destino e do mundo que o cerca, sempre em transformação,
participando com os seus sons e o seu tom (com seus potenciais, singularidade e
talentos) de uma grande sinfonia coletiva que, ao ser entoada, desvela
cosmogonias e nos convida a dançar...
Os nomes mostram em que
morada do mundo espiritual cada palavra-alma habita. Quando tornam-se carne, é
necessário uma cerimônia para desvendar a essência-mãe de cada alma. Essa essência
é o Dom doado de cada divindade – pode vir com o poder do fogo, da terra, da
água ou do vento; pode ganhar as qualidades da neblina, da flor, da madeira do
mel, das folhas verdes, dos campos, da pedra. Esses são os dons da
palavra-alma, e a consciência desses dons favorece o caminhar da linguagem e do
indivíduo na morada terrena, pois eles transmitem os temperamentos, os pontos
fortes e fracos do ser (Jecupé, 2001, p.93).
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SAMS, J. As cartas do
caminho sagrado. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
[1] Pós-doutoranda em Educação (FE/USP), Doutora em
Psicologia (USP), Psicóloga (USP) e Artista Plástica (FAAP), Psicoterapeuta e
Arte-terapeuta de crianças, adolescentes e adultos desde 1983, Coordenadora de
cursos e Oficinas de Criatividade, Supervisora de atendimentos clínicos e
institucionais, Coordenadora de Grupos de Estudos de Mitologia Criativa e
Psicologia Junguiana, Professora Universitária há 10 anos, Coordenadora e
Professora da Pós Graduação em Arteterapia da UNIP. Site: www.patriciapinna.psc.br E-mail: pat.pinna@uol.com.br Tel (consultório): +55 (11) 3862-2411
[2] Essa maneira de
fazer mandalas me foi ensinada por Ely Inoue, esse tipo de mandala é realizado
como forma de meditação entre os monges tibetanos
[3] DEMI. O pote
vazio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001
[4] Esse mito está
relatado e comentado no livro: BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega. 15 ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. Vol 2
[5] Nise da
Silveira presenciou o seu aparecimento espontâneo em pacientes psiquiátricos
internados
[6] como João
resgatando seus tesouros das mãos do gigante, no conto João e o Pé de Feijão
(Bernardo, 1999)
[7] Uroborus é a
serpente que morde a própria calda
[8] Principalmente a
partir dos livros de Mircea Eliade